Pensar a morte é pensar a vida

Pensar a morte é pensar a vida

Será que temos o direito de dar a morte por razões humanitárias? Pode o sofrimento tornar a vida intolerável e «indigna»?

Em caso de eutanásia caberá ao doente decidir? À família? Ao médico? Se a eutanásia for solicitada pelo doente, tal atenuará a responsabilidade do médico? Para que seja aceitável a prática da eutanásia será indispensável que o doente a tenha, efectivamente, solicitado?

«A eutanásia é o acto de um terceiro, que põe, deliberadamente, fim à vida de uma pessoa com a intenção de acabar com uma situação considerada insuportável.» Tal definição distingue, perfeitamente, entre «fazer morrer» e «deixar morrer. O facto de «deixar morrer», limitando ou reduzindo os cuidados a um doente, não pode ser confundido com o acto de eutanásia. Procura-se então, não o acelerar da morte, mas somente deixar que aconteça o processo natural que a ela conduz inevitavelmente.

Manter artificialmente viva qualquer pessoa, prolongando-lhe assim a agonia, constitui uma sacralização da vida pela vida. E é também em simultâneo uma diabolização da morte. Esta é então considerada como um acontecimento antinatural, ilegítimo e condenável que é necessário tentar eliminar ou, pelo menos, retardar o mais possível.  

Vamos então ao problema fundamental. Teremos o direito de «deliberadamente, pôr fim à vida de uma pessoa com a intenção de terminar com uma situação considerada insuportável?»

A fase terminal da vida não é, como pensam alguns, um desprendimento puro e simples das coisas terrenas. É verdade que o corpo se vai degradando. É também verdade que vão desaparecendo progressivamente da vida do moribundo muitas coisa: tem de renunciar às suas actividades, à sua imagem, aos seus projectos. O seu universo vai-se reduzindo, mas ao mesmo tempo, a energia que foi investida nesses objectos , agora abandonados, está pronta para ser investida de outras formas. Permanece o plano de existência: o plano de vida interior, interna e espiritual e o plano da relação consigo mesmo e com o outro. Tal plano não revela tanto do fazer como o do ser e. Ora, porque não considerar a aproximação da morte como um tempo em que o «homem interior» pode desenvolver-se e realizar-se como um tempo de maturação. Temos, porém, a tendência para pensar que este tempo não pode ser senão um período de espera vazia, inútil e penosa em que nada pode acontecer.

A forma como se morre não depende apenas da vida que se viveu, mas também da maneira como se foi acompanhado. Hoje morre-se só, quase em segredo. Daí o desejo crescente de autonomia e o sentimento de que está sozinho para julgar da sua dignidade.

Este individualismo leva-nos a considerar-nos sós, face ao nosso destino individual. Ganhamos em liberdade, mas à custa de uma grande solidão. No entanto, quando se interrogam as pessoas verifica-se que ninguém quer morrer só. O desejo intimo da maioria das pessoas é morrer acompanhado.

O que pode justificar a eutanásia não é a dignidade, é o sofrimento e só ele.

Mas isto merece uma outra reflexão. Acabar com a vida por causa do sofrimento que provoca leva-nos a considerar que, a partir dum certo grau de sofrimento, avida não vale mais a «pena» ser vivida. Podemos recordar a fábula «A Morte e o Lenhador», de La Fontaine. O Lenhador, exaurido, chama a Morte, mas logo que ela surge ele foge.

Os que na mesinha de cabeceira, dispõem de uma pastilha de qualquer produto mortal, geralmente não a tomam, mesmo quando, quer física, quer intelectualmente, estão aptos a fazê-lo. Ainda que estejam em grande sofrimento. Isto dá-nos que pensar. Simone de Beauvoir escreve: «A morte parece menos terrível quando estamos fatigados»

O que importa é tornar a vida suportável nos últimos momentos, mesmo que o que se faça para tal possa acelerar a morte e antecipá-la alguns dias. Por exemplo, sabe-se que o aumento das doses de morfina pode abreviar a vida…

Job afirmou, que se é Deus que dá a vida só a ele compete tirá-la (Job.1.21). Ou dito de maneira laica, não escolhemos, viver, não temos de escolher morrer. 

Para todos aqueles que crêem em Jesus e têm um relacionamento real e profundo, vale as palavras do apóstolo Paulo Na vida como na morte, pertencemos ao Senhor, Rm.8.38.